Ação antrópica no desmatamento apenas potencializa e acelera o desastre anunciado. Enquanto o governo brasileiro vacila entre manter a floresta amazônica em pé ou a garantir a expansão das fronteiras agrícolas, uma guerra surda se trava em seus limites e assim vai destruindo um dos mais importantes ecossistemas do planeta e regulador
climático de parte do mundo. Neste turbilhão, os cientistas tentam identificar todos os predadores do que um dia já foi chamado de "inferno verde" e "pulmão do mundo". Entre ambientalistas entrincheirados e um exército armado de motosserra, as mudanças climáticas provenientes do aquecimento global podem dar cabo da Amazônia antes do esperado pelos segmentos que só vêem riscos na implacável devastação antrópica da floresta. A primeira conclusão dos pesquisadores é que existem dois tipos de predadores, os que agem diretamente sobre o meio ambiente natural e os agentes indiretos, ligados diretamente as mudanças climáticas globais. Embora possam ser classificadas em duas estâncias, as degradações se combinam e acabam por se completar. Uma associação que extrapolou o campo das suposições e se apresenta de maneira assustadora. Os estudos científicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ( Inpe) e da Grã-Bretanha apresentaram um cenário futuro da Amazônia no começo deste ano, no Painel Intergovernamental de Mudanças Globais (IPCC). "Neste caso a ação antrópica no desmatamento apenas potencializa e acelera o desastre maior que pode acontecer com as alterações climáticas, mas não será o fator fundamental", explicou o cientista do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), do Inpe, Gilvan Sampaio, integrante da equipe que pesquisou os efeitos do aquecimento sobre a Amazônia. A previsão é que uma série de eventos atinja o complexo amazônico, numa somatória de mudanças do uso da terra, extremos climáticos, megaincêndios e alterações gerais do clima. Essa combinação é denominada de impactos remotos pelos cientistas. "O seqüestro de carbono pelas árvores pode ser tornar inviável no futuro por causa dos altos níveis de dióxido de carbono", observou o cientista do Cptec e membro do IPCC, José Marengo. As pesquisas se concentram agora em saber qual o ponto de saturação das árvores na absorção do carbono e o tempo de regeneração da floresta. A relação entre a emissão dos gases potencializadores do efeito estufa e a capacidade da vegetação seqüestrá-los da atmosfera é uma incógnita. O volume de carbono é tão grande que pode literalmente sufocar as árvores jovens e mesmo as adultas. Entre agosto e outubro de 2005, a Amazônia sentiu os efeitos comentados pelos pesquisadores. Uma avassaladora seca atingiu a região, derrubando o nível de água em 10 metros. Isto foi conseqüência de uma anomalia na Temperatura da Superfície do Mar (TSM) do Oceano Atlântico. O aquecimento da águas do Oceano Atlântico na costa brasileira impediu que entrasse a umidade no continente. Sem esse ar úmido, o regime de chuvas sobre a floresta mudou radicalmente. Teve início uma estiagem até então sem precedentes. Esse bloqueio atmosférico oceânico criou uma corrente descendente de ar quente e seco sobre a região amazônica, que diminuiu os cursos de água, matou milhares de animais e de espécies vegetais. Isto alertou os estudiosos para outras possibilidades. O cientista do Conselho de Pesquisa de Ambiente Natural da Grã-Bretanha, Peter Cox, fez uma simulação do clima sob influência do aquecimento global e viu que na segunda metade deste século a floresta começou a desaparecer, dando lugar a um deserto do tamanho da península arábica. Um desastre inimaginável, inclusive pela liberação maciça de gases de efeito estufa na atmosfera. E o pior: essa simulação não incluiu o desflorestamento feito pelos humanos. O processo de desertificação teve início com a falta de chuvas e o definhamento das árvores. As espécies vegetais, mesmo as mais resistentes, sumiram em questão de poucos anos. Uma extensa área de savana apareceu no lugar da densa e úmida floresta. Porém, o cenário foi se agravando com a ausência total das precipitações, mesmo o capim e os arbustos padeceram no intenso e seco calor. Surgiu então o último estágio de vida no que antes foi a bacia amazônica, uma vegetação de gramínea tomou conta do lugar até sucumbir totalmente. "Antes de se chegar a 2100 cerca de dois terços da floresta tinha sido destruídas e no lugar surgiu um deserto imenso de temperaturas elevadíssimas e totalmente inóspito", destacou Cox. Um quadro irreversível, que levará a uma alteração no regime de chuvas de toda América do Sul, Central e boa parte do América do Norte. O mega El Niño Já seu colega inglês, Mat Collins, do escritório de meteorologia do Hadley Centre, foi mais longe. Ele colocou no modelo climático todas as variáveis possíveis e aumentou os gases do efeito estufa. Surgiu um mega El Niño no Oceano Pacífico e, por conseqüência, a floresta recebeu um volume baixíssimo de chuvas. Neste novo quadro, a anomalia climática - mais freqüente desde a década de 70 - levou o ar úmido do Pacífico a chocar-se com a atmosfera fria da Cordilheira dos Andes. O resultado foi um volume imenso de chuvas no solo arenoso das encostas do deserto de Atacama. Além das enchentes e avalanches no Peru, isto refletiu diretamente nos índices pluviométricos da Amazônia. A região florestal passou a receber uma corrente descente de ar quente e seco, num processo semelhante ao ocorrido no Atlântico em 2005. Porém, o Pacífico é maior em evaporação e vital para o ciclo das chuvas amazônicas. Com essa interrupção, ocorreram secas generalizadas e grandes incêndios, como o de 1998 em Roraima. O fogo destruiria a mata e liberaria toneladas de gases e aerossóis na troposfera, aumentando o calor em todo o planeta. Neste modelo climático de Collins, a Amazônia começou a desaparecer em sua porção mais oriental, alastrando-se para o restante de seu bioma. Ela morreu completamente em 50 anos e toda a região se desertificou. "Há uma chance em seis disto ocorrer, isto não é uma probabilidade muita alta. Mas precisamos saber se estamos dispostos a correr esse risco", questionou o cientista. Outra questão é que o solo da Amazônia é paupérrimo. Isto foi provado pelo cientista Robert Jackson, da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Surpreendentemente, a areia do deserto de Mojave, na Califórnia, tem uma maior biodiversidade em microorganismos duas vezes maior que a terra que alimenta a floresta.
Fonte: Gazeta Mercantil
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