A Polêmica do Código Florestal Brasileiro
Texto elaborado por Laura Jesus de Moura e Costa - Instituto do Meio Ambiente - INMA
Embora as primeiras normas (Ordenações Filipinas - do Rei Filipe) que regulavam a exploração da floresta na costa brasileira datem do Século XVII e a primeira edição do Decreto-Lei que diferenciava "floresta de proteção" de "floresta de produção" seja de 1934, o Código Florestal Brasileiro é a Lei Federal n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, e tem por objetivo definir algumas premissas em relação às florestas, à preservação, uso e prosperidade do solo e à proteção de unidades hídricas. E o Código Florestal Brasileiro que determina a obrigação de se preservar áreas sensíveis (APP) e de se manter uma parcela da vegetação nativa no interior das propriedades rurais (Reserva Legal). É a única lei nacionalque veta a ocupação urbana ou agrícola em áreas de risco, sujeitas a inundações e deslizamentos de terra.
Em seu Artigo 1º, o Código afirma que "as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidades às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem."
As ações ou omissões contrárias ao que dispõe esta Lei são consideradas uso nocivo da propriedade e poderão ser enquadradas no Art, 275, Inciso II, do Código de Processo Civil. O conceito de função da propriedade da terra nasceu com o Estatuto da Terra (Lei Federal n. 4.504, de 30 de novembro de 1964 - Art. 2º.) e foi reafirmado pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1968, de modo que, cumprem a sua função social apenas os imóveis rurais que, além de produzir, também preservam o meio ambiente.
Tanto o Código Florestal como a própria Constituição Federal, compreendem que a conservação das florestas e dos outros ecossistemas naturais interessa a toda sociedade. No art, 186 da Constituição Federal de 1988 consta que:
"A função social é cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores."
Ou seja, as limitações do direito de propriedade têm uma clara função social, à qual se deve agregar também a função ambiental. As limitações ao exercício da propriedade privada da terra decorrem da necessidade de atendimento do bem público, coletivo, sendo necessário enfatizar o cumprimento das funções social e ambiental da propriedade.
Portanto, mantendo-se uma visão democrática e progressista da problemática ambiental brasileira, é de fundamental importância estabelecer mecanismos de controle que limitem a ação do grande capital e, ao mesmo tempo, protejam os trabalhadores, pequenos agricultores e a Agricultura Familiar; assim como, assegurem a soberania nacional do País.
O Porquê da Polêmica e o Porquê da Mudança do Código Florestal.
Foi José Bonifácio que criou a primeira legislação de Reserva Legal, a qual tinha finalidades ambiental e econômica.
Já, o primeiro Código Florestal Brasileiro foi instituído por Decreto-Lei, em 1934, durante a Ditadura de Getúlio Vargas, e exigia que os donos de imóveis mantivessem a cobertura de mata original em um quarto (25%) da área de seus imóveis. Era a chamada "quarta parte". Essa exigência nasceu da necessidade de controlar o mercado de lenha em um contexto onde não existiam reservas públicas de mata; visava, portanto, garantir o suprimento de lenha (já que a matriz energética nacional, na época, era à base de carvão e lenha) regulando o uso das matas dentro dos imóveis rurais privados. Uma interrupção no fornecimento de lenha tinha, no início do século XX, a força de um apagão dos tempos atuais.
Na década de 60, como a lenha já não tinha mais a importância inicial como fonte estratégica de energia, pois fora sendo substituída pela energia hidrelétrica e ou pelo petróleo, o Decreto-Lei de 1934 passou por um processo de revisão e, então, surgiu, em 1965, o atual Código Florestal Brasileiro, promulgado pelo General Castelo Branco. O Código definia a Reserva Legal como a parte de cada bioma que deveria ser preservada, ficando estabelecido que, na Amazônia seriam 50%, e, no resto do País, 20%.
Vale lembrar que o Regime Militar estabeleceu o lema: "Integrar para não entregar", para justificar o incentivo a um maior desmatamento e a uma maior ocupação na Região Amazônica.
Por outro lado, a Lei de 1965 também deu uma nova abordagem às "florestas protetoras", criadas em 1934. As "florestas protetoras" eram aquelas cuja manutenção era necessária para garantir a saúde dos recursos hídricos (rios e lagos) e áreas de risco (encostas íngremes e dunas). Com a Lei de 1965, essas "florestas protetoras" passaram a ser chamadas de "Áreas de Preservação Permanente" ou APP.
O problema surge e é crônico devido ao não cumprimento da lei, o que fez com que a grande maioria dos imóveis rurais brasileiros, tanto na Amazônia como no resto do País, apresentassem algum nível de irregularidade legal perante as exigências do Código Florestal Brasileiro. Alguns não têm Reserva Legal suficiente; outros plantam nas margens dos rios e córregos onde deveriam estar as APPs; outros, ainda, plantaram em encostas e topo de morros, que também deveriam ser APPs. Parte da produção rural brasileira de hoje é feita sobre áreas que não poderiam estar sendo usadas para a produção, caso a lei fosse respeitada e ou a fiscalização ambiental realmente funcionasse.
Esse quadro de ilegalidade e impunidade geral foi piorando; tanto que, em 1996, o Governo Federal registrou um pico no desmatamento da Floresta Amazônica - 2.905.900 hectares de floresta derrubados.
A exigência de reservas florestais (Reserva Legal) dentro de imóveis rurais privados é, talvez, uma das maiores fontes de atrito entre a produção rural e a preservação ambiental.
As Medidas Provisórias e Decretos do Governo Federal
Sob forte pressão internacional, em agosto de 1996, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, assinou a Medida Provisória n. 1511/96, pela qual mudou o percentual de Reserva Legal na Amazônia de 50% para 80%; mas, no Cerrado dentro da Amazônia Legal, reduziu de 50% para 35%. Essa Medida Provisória nunca chegou a ser apreciada pelo Poder Legislativo e sofreu inúmeras reedições (mensais, já que a duração de uma MP é de 30 dias) até o ano 2000; quando, então, foi criada a Comissão Mista de Deputados e Senadores do Congresso Nacional com o objetivo de emitir parecer sobre um projeto de lei de conversão (PLC) da última versão da MP 1511/96 em vigor. Sob clima excessivamente tenso entre deputados ambientalistas e ruralistas, a Comissão aprovou o PLC n. 10/2000, que, praticamente, revogava as alterações da MP 1511/96.
Como o Governo Federal não aceitou esse PLC, o mesmo não tramitou no Legislativo, mas foi emitida, pelo CONAMA - Conselho Nacional de Meio Ambiente, outra Medida Provisória n. 2166, editada em 2001, que restituía o que havia sido estabelecido pela MP 1511/96. Esta MP sofreu 67 reedições até 2001, quando uma mudança na Constituição Federal dispensou a necessidade de novas reedições de MP anteriores a essa mudança, passando a vigorar ad eternum ou até que o Congresso Nacional as revogasse.
Em 2008, o então Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, retirou da gaveta o Decreto n. 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas para danos ao meio ambiente. Além de destruição da fauna e da flora, também são infrações: deixar de averbar a Reserva Legal, causar poluição que resulte em danos à saúde humana ou provoque a mortandade de animais, entre outras.
As infrações administrativas são punidas com advertência, multa simples, multa diária, apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, destruição ou inutilização do produto, suspensão de venda, embargo e ou demolição de obras, etc.
Esse Decreto n. 6.514/2008 deu o prazo até dezembro de 2008 para a regularização de terras junto aos órgãos ambientais, em particular a averbação de áreas destinadas à Reserva Legal. Essa averbação já era prevista no Código Florestal Brasileiro, mas este não previa nenhuma sanção para o seu não cumprimento. Portanto, foi a exigência do cumprimento da lei que acirrou os ânimos da impunidade produtiva no País.
Em dezembro de 2008, o Governo Federal assinou novo Decreto (n. 6.686/2008), flexibilizando alguns dispositivos da Lei de Crimes Ambientais. Obriga os donos de imóveis rurais a recuperar e manter as APPs e a averbar as áreas de Reserva Legal, mas amplia o prazo dessa averbação para um ano a partir de julho de 2008 e concede anistia aos proprietários que receberam multas e sanções desde a entrada em vigor do Decreto n. 6.514/2008.
Logo em seguida, também foi assinado o Decreto n. 6.695/2008, que excluía a Amazônia Legal de todos os benefícios previstos pelo Decreto anterior.
Na tentativa de solucionar o problema de forma mais cooperativa e menos conflitante, em 10 de dezembro de 2009, o Governo Federal assinou o Decreto n. 7.029/2009, que estendeu para mais três anos, ou seja, até dezembro de 2012, o prazo para a regularização ambiental de imóveis rurais, o que envolve, prioritariamente, a manutenção e recuperação de APPs e Reserva Legal; além de possibilitar aos produtores da Amazônia Legal a adesão ao programa e, com isso, ter o prazo ampliado para a averbação da Reserva Legal sem multa. No entanto, o produtor rural tem que, até o dia 11 de julho de 2011, se cadastrar no programa "Mais Ambiente" e averbar a sua Reserva Legal. Esse Programa prevê recursos de R$ 100 milhões a R$ 500 milhões para oferecer apoio técnico, educação ambiental e pagamento por serviços ambientais para que pequenos produtores se legalizem. O cancelamento de algumas multas está condicionado à adesão ao "Programa Mais Ambiente" do Governo Federal.
O Código Florestal Brasileiro estabelece o prazo até o ano de 2031 para que as áreas desmatadas sejam recompostas. A pena para quem desmata a Reserva Legal vai desde o pagamento de multas, que podem chegar a 50 milhões de Reais, até mesmo a perda de parcelas da terra. Não se deve esquecer que as funções social e ambiental da propriedade são garantias constitucionais.
Como essa não observância do Código Florestal levou a que grande parte da produção agrícola (grãos, fibras, pecuária, florestas plantadas, biocombustíveis, hortaliças, etc.) do Brasil estivesse sendo feita sobre áreas de Reserva Legal e, algumas, em APPs, a exigência de sua observância exigirá também que se reduza a área plantada, se recupere as matas nativas onde foram irregularmente retiradas e, consequentemente, se reduza a atual extensão de área cultivada no País.
Em imóveis rurais já inseridos no processo produtivo, há resistência à manutenção da Reserva Legal, e ainda mais à sua recuperação, em decorrência dos impactos da Reserva Legal na estrutura produtiva dos imóveis. Essa resistência é maior em Estados onde o uso do solo é mais intensivo, como os Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais, além de outros.
Por outro lado, há mecanismos legais para se contornar o efeito negativo dessa exigência, os quais são também pontos de discussão na atualidade, tais como: a compensação de Reserva Legal em outra área fora da propriedade, dentro do Bioma ou dentro da Bacia Hidrográfica; a redução das APP das margens de rios de 30 para 15 metros; computar Reserva Legal e APP no mesmo percentual; considerar como Reserva Legal as APPs; liberar os imóveis pequenos (de até quatro módulos rurais ou 100 ha.) da necessidade de recomposição da Reserva Legal; realizar a Reforma Agrária de forma que acabe com o latifúndio (grande propriedade improdutiva ou com baixa produtividade) e o minifúndio; regularizar as áreas com plantio consolidado em APPs, etc.
Portanto, pode-se concluir que a pressão por mudanças no Código Florestal Brasileiro está mais relacionada ao problema e ao custo para a recuperação do passivo legal e ambiental do que pela necessidade de expansão da fronteira agrícola. Não é uma questão de se necessitar de mais terra para a produção, mas de não se querer abrir mão das áreas já abertas e em produção, hoje, no Brasil.
Os representantes do agronegócio e do latifúndio pressionam o Executivo e o Legislativo para que não lhes obriguem a cumprir a lei, mas, sim, para que a modifiquem em função de seus interesses.
Os agricultores familiares poderão ser sufocados pelo agronegócio e pela pecuária, pois as alterações que estão sendo propostas favorecem, prioritariamente, o grande produtor rural, dispensa o homem do campo e contribui para uma maior concentração da terra. A Agricultura Familiar pode estar sendo usada como um escudo para o agronegócio.
O debate sobre a alteração no Código Florestal Brasileiro envolve uma série de questões que exigem uma tomada de posição clara pelos setores avançados e progressistas de nossa sociedade; porém, o equacionamento da necessidade de preservação ambiental com as imposições do desenvolvimento econômico só vai ocorrer com a conquista de novas formas de produção e de consumo, numa nova forma de organização social, baseada no atendimento do bem-estar da sociedade, tendo como prioridade a vida e com qualidade, e não a busca desenfreada do lucro - o SOCIALISMO.
Por fim, colocamos abaixo os principais pontos a serem defendidos pela CTB:
1) Não apoiar a desconstrução do Código Florestal Brasileiro, muito menos, da legislação ambiental existente.
2) O Estado deve fazer a diferenciação entre o pequeno e o grande produtor rural.
3) O Estado deve fazer a diferenciação entre quem preserva a Natureza e quem comete crime ambiental.
4) Exigir que o Estado trate de forma diferenciada a agricultura empresarial de grande porte da Agricultura Familiar.
5) O Estado deve fazer um estudo geológico e de solo aprofundado em todo o Brasil para, aí, então, determinar técnica e cientificamente a largura correta da mata ciliar de acordo com a largura do rio. Enquanto isso não ocorre, NÃO SE MEXE NO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO.
6) As Áreas de Preservação Permanente (APP) são necessárias e fundamentais para a função ambiental da propriedade; portanto, NÃO SE MEXE NO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO NO QUE DIZ RESPEITO A ELAS.
7) As Reservas Legais devem ser mantidas nos percentuais estabelecidos pelo Código Florestal Brasileiro e contabilizadas por propriedade, pois a função social e ambiental da propriedade deve ser de responsabilidade do produtor - princípio constitucional.
8) Reafirmar e reforçar as funções social e ambiental da propriedade, como está na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Terra.
9) A Lei precisa reconhecer a função social da pequena propriedade.
10) Exigir a mudança do conceito legal de pequena propriedade rural familiar, ou seja, entendê-la como aquela que tem quatro (4) módulos rurais ou até 100 hectares; e, somente nela, a Reserva Legal pode se sobrepor à APP.
11) Cabe à UNIÃO (e não aos Estados e Municípios) a definição das normas gerais e diretrizes sobre a preservação das florestas, sua exploração sustentada e sua preservação; bem como, a elaboração dos ZEE - Zoneamentos Ecológicos e Econômicos - e a definição dos instrumentos de proteção (percentual da Reserva Legal e critérios de continuidade territorial, além de outros).
12) O papel dos Estados da Federação (UF) na gestão social e ambiental precisa ser redefinido e fortalecido.
13) É preciso definir claramente o que é crime ambiental e punir, rigorosamente, os responsáveis.
14) Reafirmar e frisar a inalienável soberania brasileira sobre a Amazônia e a competência do Governo Federal para definir os critérios de preservação florestal e ambiental, as normas para a sua exploração econômica e os padrões aceitáveis de seu desenvolvimento.
15) Definir o tamanho mínimo para os lotes urbanos e para as propriedades rurais, a fim de se combater o minifúndio e a exploração imobiliária.
16) A Lei tem que garantir a preservação da cultura originária dos povos da floresta, acatar os critérios legais para o seu desenvolvimento, inclusive tecnológico e estabelecer políticas públicas voltadas para as comunidades indígenas, envolvendo desde a recuperação de áreas até o financiamento e apoio à produção.
17) A Lei deve compensar financeiramente os produtores rurais cujas propriedades prestam serviços ambientais úteis à sociedade.
18) Tolerância ZERO ao desmatamento; limitação rigorosa para o desmatamento de novas áreas.
19) Pagamento pelos SERVIÇOS AMBIENTAIS - É preciso criar instrumentos ou formas de valorização da floresta e de incentivo à sua recuperação nas áreas onde isso se faz necessário.
20) Criar incentivos eficientes para que os proprietários recuperem a Reserva Legal e manter a exigência de compensação na mesma micro-bacia.
21) Toda bacia hidrográfica, em todos os biomas, deve ter um índice mínimo de vegetação nativa.
22) Espécies exóticas (pinus, eucalipto, etc.) não podem compor a vegetação das áreas de Reserva Legal e APP's, que devem ser exclusivas para espécies nativas.
23) Implantação de Programas de Educação Ambiental eficientes que contribuam para fazer a sociedade discernir sobre a importância de nosso Patrimônio Natural e o modelo de nossa base produtiva; bem como, sair da passividade e tomar atitude sobre a questão da VIDA e da SOBREVIVÊNCIA no Planeta.
24) Estudar a possibilidade da implantação de linhas de créditos especiais para a recuperação das Reservas Legais, com taxas de juros subsidiadas e prazos de carência compatíveis com a realidade brasileira.
Até que todo o processo de discussão e tramitação no Congresso Nacional ocorra, nada muda na Lei, ou seja, continua valendo a Medida Provisória 2166, editada em 2001 a partir da sua aprovação pelo CONAMA.
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