Avanços na utilização de Nitrogênio Não Protéico (NNP) na nutrição de vacas leiteiras
O uso do nitrogênio não protéico (NNP) na nutrição dos ruminantes data de muitos anos atrás, em 1879 na Alemanha. A ureia é o NNP mais conhecido e começou a ser fabricada industrialmente em 1870, quando BASSAROW promoveu sua síntese a partir do gás carbônico e da amônia. Mas foi no período de 1914 a 1918, devido à escassez de alimentos, ocasionada pela primeira guerra mundial, que a Alemanha intensificou a utilização da ureia como fonte protéica na alimentação de ruminantes. O intuito do aumento na utilização de ureia visava uma produção intensiva e de baixo custo de carne e de leite.
O NNP não é uma proteína. Possui características específicas: é deficiente em todos os minerais, não possui valor energético próprio; é extremamente solúvel e no rúmen, é rapidamente convertida em amônia, que se fornecida em doses elevadas pode ocasionar toxidez.
Isso acontece porque a proteína dietética é amplamente degrada no rúmen, gerando grande quantidade de amônia. Esta é potencialmente incorporada pelos microrganismos, principalmente os que degradam carboidratos estruturais, na forma de proteína microbiana. Porém, em muitas ocasiões a amônia liberada suplanta a capacidade de captura e metabolismo pelos microrganismos.
O nitrogênio amoniacal do rúmen pode ser removido, além da fixação na proteína microbiana, por difusão através da parede do rúmen ou do fluxo de fluido para o trato posterior, porém, esta segunda via é quantitativamente menos importante. A amônia absorvida através da parede ruminal é imediatamente transportada pelo sistema porta para o fígado, onde é intensamente metabolizada, pois sua forma livre é imensamente tóxica para o animal.
O NRC (1985) considera que, a quantidade de nitrogênio reciclado na forma de ureia para o rúmen é função do animal e das condições dietéticas e sugere a equação descrita abaixo para o cálculo da reciclagem total de nitrogênio:
Y = 121,7 - 12,01X + 0,3235X2
Onde: Y = N-ureia reciclado (% do N ingerido); e X = Proteína dietética ingerida.
A reciclagem assume, portanto, grande importância para manutenção dos níveis mínimos de N ruminal, para que se observem ao menos os níveis mínimos de produtividades sob baixos planos nutricionais. Para que haja funcionamento do rúmen sem comprometimento das atividades microbiológicas básicas, há necessidade de ao menos 7% de proteína bruta (≈1% de N) na MS ruminal. Recomenda-se que, para que sejam observados níveis aceitáveis de digestibilidade ruminal da MS seja mantida uma concentração de amônia ruminal igual ou superior a 5 mg/dl.
Níveis de proteína na dieta e sua relação com o balanço energético da vaca
Vacas leiteiras de alta produção no início da lactação não conseguem consumir quantidade de nutrientes suficientes para atender a elevada produção de leite, desta forma estes animais entram em um balanço energético negativo durante um período de aproximadamente 90 dias, quando as vacas perdem peso, isto acontece mais intensamente nos primeiros 21 dias pós-parto.
Num experimento realizado com 45 vacas da raça Holandesa por um período de 120 dias pós-parto, onde os animais foram alimentados com duas dietas: 11,1 e 15,5% de proteína degradável no rúmen; Os animais alimentados com 15,5% de proteína degradável perderam duas vezes mais peso do que aqueles alimentados com 11,1% de PDR, a concentração de uréia aumentou de 17,10 mg/dl para 22,40 mg/dl naqueles animais alimentados com 15,5% PDR.
Os autores afirmaram que o excesso de amônia produzido no rúmen precisa ser transformado no fígado em ureia, e este processo requer um alto custo energético, além de utilizar os intermediários do ciclo de Krebs (α-cetoglutarato), diminuindo o metabolismo energético do animal bem como a gliconeogênese. Desta forma este desajuste no metabolismo intermediário são mecanismos potenciais os quais determinam como dietas com alto teor de proteína degradável no rúmen podem alterar a performance reprodutiva dos animais.
Ureia para vacas em lactação
Com a finalidade de melhorar a utilização da ureia na alimentação dos animais, na década de 70, foi desenvolvido por pesquisadores de "Kansas State University" (EUA), um produto extrudado à base de amido do grão de milho e ureia, com equivalente protéico de 45%, denominado "starea". O mesmo produto obtido pela extrusão de uma fonte de amido com a ureia e enriquecido com enxofre foi desenvolvido na década de 80 na Universidade Federal de Lavras, então Escola Superior de Agricultura de Lavras, e foi batizado com o nome de amireia.
Assim, experimentos avaliaram o desempenho de vacas leiteiras em lactação, alimentadas com dietas contendo diferentes fontes protéicas: farelo de algodão, farelo de soja, amireia e concluíram que a ingestão de matéria seca e proteína, produção de leite corrigida ou não para 4% de gordura, e o teor de gordura no leite, não diferiram entre os tratamentos, sugerindo a possibilidade da utilização de amireia na dieta de vacas leiteiras, sem problemas de desempenho e aceitabilidade das dietas.
Essa é uma constatação importante, pois a composição do leite é um bom retrato do perfil nutricional da vaca. Quando o N ureico no leite, no inglês, "milk urea N (MUN)", alcançam valores acima de 20 mg/dl, problemas patológicos podem ocorrer. Essa também é uma constatação importante, pois existe uma alta correlação (r2 = 0,918) entre o nitrogênio ureico no plasma, "blood plasma urea N" (BUN) e o MUN, podendo o MUN expressar a concentração de N no sangue e no plasma sanguíneo desproteinizado. Os valores de BUN e MUN são influenciados pela hora da refeição e pela concentração de proteína na dieta. É observada menor variação quando as vacas são mantidas confinadas.
Para as análises do BUN as amostras de sangue devem ser colhidas 2 a 4 horas após a refeição da vaca. Para ter valores comparáveis, a amostragem de todas as vacas deve ser feita ao mesmo tempo após a alimentação. Os valores de MUN representam em média 85% dos valores de BUN, variando de 83 a 98%. Dividindo os valores de MUN por 0,85 obtém-se uma estimativa de BUN.
Os valores de MUN podem ser obtidos através das amostras que vão para os laboratórios de controle leiteiro. É necessário que as amostras sejam devidamente acondicionadas para que os níveis de ureia no leite não sejam reduzidos pela atividade microbiana. Eles podem ser diminuídos 50% se as amostras de leite ficarem em temperatura ambiente por 24 horas. A adição de um inibidor da fermentação ou a refrigeração logo após a colheita é necessário para se obter resultados precisos a partir das amostras de leite. Assim, a concentração de MUN pode servir como um guia para a identificação de dietas que possuam excesso ou deficiência de proteína.
O pesquisador Flávio Portela, Professor do Departamento de Zootecnia da ESALQ, com a ajuda do Dr. Huber, professor nos Estados Unidos, resumiram 19 comparações de nove experimentos onde a ureia foi adicionada de 0,4 a 1,8% da matéria seca, substituindo total ou parcialmente o farelo de soja, farinha de peixe e outros subprodutos. A ingestão de matéria seca não foi alterada com a suplementação de ureia na dieta em 14 comparações, aumentou em duas e diminuiu em três. A produção de leite não foi afetada pela utilização da ureia em 17 comparações, mas foi afetada em duas. A percentagem de proteína no leite não foi afetada pela ureia em 14 comparações e aumentou em cinco, o que pode ser explicado pelo aumento na síntese de proteína microbiana ao se fornecer ureia na dieta.
Outros experimentos demonstraram que para vacas primíparas, 1% de ureia na dieta, afetou negativamente a produção de leite, porém aumentou a percentagem de gordura no leite. As dietas continham ainda feno de alfafa e 35 a 42% de sorgo floculados a vapor.
Quando a ureia é adicionada a silagem (30% de matéria seca), grande quantidade da ureia será hidrolisada em amônia durante a fermentação, observando aumentos nos teores de amônia da silagem. Esta hidrólise permite o aparecimento de um agente tamponante durante a fermentação, e que as silagens com ureia contém níveis mais altos de ácidos orgânicos.
Quando usar ureia?
Vários fatores merecem ser mencionados na decisão do uso e do nível de ureia nas dietas das vacas leiteiras:
1) nível de produção do rebanho (kg/lactação):
- inferior a 5.450;
- 5.451 a 6.800;
- 6.801 a 8.180;
- superior a 8.180.
2) preço da proteína.
3) preço recebido por litro de leite.
4) composição da ração de base, isto é o nível de energia que fornece a ração.
5) degradabilidade da proteína dos ingredientes. As silagens pré-secadas de
gramíneas e leguminosas contém proteína mais degradável, em geral.
6) estádio de lactação das vacas. A ureia é melhor utilizada após 100 dias de
lactação.
7) número de distribuição de concentrado por dia. Quanto mais vezes o concentrado é fornecido durante o dia, melhor será a utilização da ureia.
O Conselho de Produção Animal do Quebec adotou um guia para auxiliar o produtor na definição do uso de ureia na alimentação das vacas leiteiras, em função do preço da proteína no mercado. Embora, trata-se de um sistema relativamente complexo, é possível intereelacionar o preço do leite, preço do milho em grão, preço do farelo de soja e o nível de produção do rebanho, para a tomada de decisão quanto ao uso ou não da ureia na alimentação de vacas leiteiras.
No início de lactação, sobretudo para as vacas com produção acima de 6.800 kg/lactação, a ureia não se constitui em ingrediente ideal para ser utilizar na mistura com grãos. Ela é mais bem aproveitada se incorporada à silagem, na proporção de 5 kg de ureia por tonelada de silagem de milho (28 - 35% de MS). Nesta situação todo suplemento protéico sem ureia, como por exemplo, o farelo de soja ou farinha de peixe, deverá ser distribuído em complemento.
Este guia é um guia aproximado para determinar se o preço da proteína é relativamente baixo, moderado e elevado. Para se obter as informações faça os seguintes cálculos:
-primeiramente faça a diferença entre o preço de 0,45 kg de farelo de soja e 0,45 kg de milho em grão, em seguida subtraia este montante do preço de 0,45 kg de leite. Se o resultado for 8 centavos de reais ou mais, o preço da proteína é relativamente baixo.
-se o resultado for entre 3 e 8 centavos o preço da proteína é relativamente moderado. Se o resultado for inferior a 3 centavos o preço da proteína é relativamente elevado.
Exemplos:
-1ª Situação preço da proteína relativamente baixo: quando o produtor estiver recebendo 16 centavos de reais por 0,45 kg de leite, o farelo de soja estiver custando 14 centavos e o milho 9 centavos, os passos são: 1) 14 - 9 = 5; 2) 16 - 5 = 11 centavos.
-2ª Situação preço da proteína relativamente moderado: quando o produtor estiver recebendo 16 centavos de reais por 0,45 kg de leite, o farelo de soja estiver custando 19 centavos e o milho 9 centavos, os passos são: 1) 19-9 = 10; 2) 16 - 10 = 6 centavos.
-3ª Situação preço da proteína relativamente elevado: quando o produtor estiver recebendo 16 centavos de reais por 0,45 kg de leite, o farelo de soja estiver custando 25 centavos e o milho 11 centavos: 1) 25 - 11 = 14; 2) 16 - 14 = 2.
Para os rebanhos de produção de leite inferior a 5.450 kg, tudo indica que o lucro máximo será obtido com a utilização de um concentrado a base de ureia, completado, no início da lactação, com um suplemento protéico sem ureia, como o farelo de soja.
Para os rebanhos com produção entre 5.450 e 6.800 kg, a mesma situação se configura, exceto que é ainda mais importante que se forneça o suplemento protéico sem ureia no início da lactação. O concentrado de base poderá conter ureia.
Para os rebanhos acima de 6.800 kg, tudo indica que a utilização de concentrado sem ureia levará a uma melhor otimização do investimento em proteína, a qual é sempre dispendiosa, e nesse nível de produção a quantidade de concentrado fornecida é, geralmente, elevada.
Conforme os conhecimentos atuais e aqueles dependentes das condições de preço, tudo indica que rebanhos com produção de leite superior a 8.180 kg possam se beneficiar de concentrados com degradabilidade controlada. Independentemente do nível de ureia na dieta de base (por exemplo, silagem de milho), é importante que o suplemento protéico não contenha ureia, pois este suplemento é unicamente destinado às vacas no início de lactação quando a ureia não é bem aproveitada.
Alguns cuidados básicos devem ser tomados quando a ureia está presente na dieta de vacas leiteiras, entre eles poderíamos citar alguns dos mais importantes:
- Os animais devem ser inicialmente adaptados ao consumo da ureia, desta forma a mesma deve ser fornecida em quantidades crescentes na dieta, e se caso os animais permanecerem dois dias sem consumirem ureia em sua dieta, o processo de adaptação deve ser recomeçado e em hipótese alguma usar em quantidades superiores as recomendadas;
- A ureia deve ser misturada de forma homogênea aos alimentos, a fim de obter um ingestão regular, e ser fornecida diariamente, sem interrupções;
- Uma vaca de 550 kg de PV pode consumir até 200 g de ureia por dia sem problemas;
- Não fornecer ureia aos animais dissolvida em água para beber, ou nos "sopões";
- Quando a ureia se constituir a principal fonte protéica, fornecer aos animais uma boa mistura mineral à vontade;
- Quando se usa ureia, é importante administrar o enxofre (S) na proporção de uma parte deste elemento para cada 10 a 15 partes de nitrogênio, para se obter melhores resultados. São indicados como fontes de enxofre, o sulfato de cálcio (17% de S), sulfato de amônio (24% de S), que se constituem em excelentes fontes deste nutriente;
- Os sintomas de intoxicação pela ureia se caracterizam por agitação, falta de coordenação, salivação intensa, tremores musculares, micção e defecção constantes, respiração ofegante e timpanismo;
- Nos casos de intoxicação, utilizar duas garrafas de vinagre por animal como antídoto, logo aos primeiros sintomas. Colocar o bico da garrafa no canto da boca e deixar o líquido descer, não puxar a língua do animal, porque iria para o pulmão e o asfixiaria;
- No caso da utilização em vacas leiteiras de alta produção fazer acompanhamento da concentração de ureia no leite ou no plasma, evitando problemas reprodutivos.
Considerações finais
A utilização de ureia reduz, de forma considerável, o custo das dietas utilizadas na alimentação de vacas leiteiras. Os estudos até hoje realizados mostram que dietas com PB ou PDR pouco acima do recomendável pelo NRC - Gado de Leite, ou de fontes de NNP, não afeta o desempenho reprodutivo em animais de baixa e média produção de leite. Em rebanhos de leite que utilizam forragens tropicais suplementados com ureia ou uma fonte de proteína verdadeira observa-se uma melhora no desempenho reprodutivo. Conclui-se que a ureia pode ser bem aproveitada pela vaca, como são as fontes de proteínas verdadeiras.
Entretanto, ambas necessitam de um correto balanceamento com fontes de carboidratos fermentescíveis, aliado a sincronização de degradação no rúmen entre as fontes de proteínas e de carboidratos, otimizando desta forma, a produção microbiana e evitando a formação de excesso de amônia.
Quanto maior for a degradabilidade da proteína da ração maior será a produção de amônia e possivelmente, maiores serão as perdas urinárias de compostos nitrogenados na forma de ureia.
Valores altos de MUN e BUN no leite e no sangue, respectivamente, indicam aumento das perdas de proteínas. Além disso, vacas com concentrações elevadas de MUN e BUN sofrem maior estresse devido à conversão de amônia em ureia no fígado e à subsequente excreção urinária.
Altos níveis de MUN e BUN também têm impacto ambiental, porque é um indicativo que mais nitrogênio está sendo excretado no esterco e na urina, contribuindo para o aumento de problemas na qualidade da água e do cheiro exalado pelos dejetos.
Os estudos com vacas de leite de alta produção (>8.500 kg/lactação) indicam que a elevação nos níveis circulantes de BUN acima de 19 a 20 mg/dl comprometem a fertilidade e as taxas de concepção.
Maiores estudos são necessários para melhor elucidar o exato mecanismo pelo qual altas concentrações de BUN afetam a fertilidade em vacas de alta produção.
Fonte:
Geraldo Tadeu dos Santos, Fábio Luiz Bim Cavalieri, Elisa Cristina Modesto. Palestra publicada nos Anais do 2º Simpósio Internacional em Bovinocultura de Leite: Novos conceitos em Nutrição. UFLA, 2001, p. .199-228
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